CLAUDIA

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terça-feira, 3 de maio de 2016

COMPLEMENTAÇÃO PEDAGÓGICA DA AULA DE 03.05.2016

Políticas de conservação

Dois instrumentos principais para políticas de conservação vêm sendo reconhecidos pelos órgãos ambientais brasileiros:

 as Áreas Prioritárias para Conservação 

e as Listas de Espécies Ameaçadas. 

No dia a dia do licenciamento ambiental, porém, apenas as últimas são efetivamente utilizadas, e mesmo assim de forma parcial, como veremos.

A literatura é muito rica em documentos sobre estratégias e diretrizes de conservação, recomendações e propostas de áreas a serem protegidas, não sendo nosso objetivo aqui reunir e analisar todo esse material - no fundo, a mensagem principal é: faz-se preciso fazer algo, e urgentemente. Na prática, há que admitir que a mensagem não vem atingindo o nível mais importante, que é o da tomada de decisões dentro do governo: apoiados em estudos ambientais falhos, quase inócuos (ver a seguir), e escondidos atrás da cortina de fumaças das medidas mitigadores (ver artigo de Mechi & Sanches neste dossiê), praticamente todos os pedidos de licenciamento ambiental são aprovados. Ou seja, todos esses documentos, resultado de um imenso esforço por parte da comunidade científica e de técnicos de órgãos ambientais, são, na prática, inócuos diante dos poderosos interesses econômicos de alguns poucos, entre empresários e políticos. Há que se rever as estratégias de conscientização e sensibilização do governo e das forças políticas que o sustentam, há que se rever a própria filosofia do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

No momento, vamos nos ater a alguns documentos mais objetivos, de síntese, que são as propostas de áreas prioritárias. Publicada em 27 de maio de 2004, a Portaria n.126 do Ministério do Meio Ambiente oficializou o reconhecimento das "Áreas Prioritárias para a Conservação, Utilização Sustentável e Repartição dos Benefícios da Biodiversidade Brasileira ou Áreas prioritárias para a Conservação, para efeito da formulação e implementação de políticas públicas..." (art. 1º), associada a mapa produzido no âmbito do Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira (Probio), que durou mais de 24 meses, reunindo informações trabalhadas por mais de mil cientistas, técnicos de órgãos públicos e ONG e lideranças do movimento social. Trata-se, portanto, de documento técnico de inequívoca robustez e base científica sólida, reconhecidas por setores representativos da sociedade. Do mesmo modo, como um dos produtos do programa Biota-Fapesp, foi produzido um documento na forma de livro, que também traz propostas para áreas prioritárias para conservação, igualmente embasadas em estudos científicos.
Essas áreas, no entanto, vêm sendo desconsideradas quando da análise de pedidos de licenciamento ambiental para fins de uso de recursos naturais, comprometendo os objetivos de (Portaria MMA n.126, art. 1º):
I - Conservação in situ da biodiversidade;
II - Utilização sustentável de componentes da biodiversidade;
III - Repartição de benefícios derivados do acesso a recursos genéticos e ao conhecimento tradicional associado;
IV - Pesquisa e inventários sobre a biodiversidade;
V - Recuperação de áreas degradadas e de espécies sobre-exploradas ou ameaçadas de extinção; e
VI - Valorização econômica da biodiversidade.
Um exemplo do descompromisso com essa diretriz nacional da conservação, oficializada em Portaria em vigor, são os vários empreendimentos não sustentáveis, recentemente aprovados por instâncias governamentais do Estado de São Paulo, localizados em áreas de prioridade alta, muito alta e extremamente alta, como a região da Serra do Mar e litoral do Estado de São Paulo, onde especulação imobiliária e empreendimentos portuários, entre outros, exercem fortíssima pressão para mudanças na legislação ambiental (ver artigo de Varjabedian neste dossiê).
Em todo o Brasil, empreendimentos minerários superpõem-se com áreas prioritárias para a biodiversidade, e quando a legislação impõe impedimentos, muda-se essa. Um dos casos mais gritantes é o das cavernas, parte de um ambiente extremamente frágil e altamente relevante em ternos de biodiversidade, que é o meio subterrâneo. Cavernas eram protegidas pelo Decreto n.99.556, de 1º de outubro de 1990, que estipula que "as cavidades naturais subterrâneas existentes no território nacional constituem patrimônio cultural brasileiro" (art. 1º) e que "a utilização das cavidades naturais subterrâneas e de sua área de influência deve fazer-se consoante a legislação específica, e somente dentro de condições que assegurem sua integridade física e a manutenção do respectivo equilíbrio ecológico" (art. 2º). No momento em que sua ocorrência em áreas ferruginosas representou um problema a mais para grandes empreendedores, interessados na mineração de ferro e calcário e na construção de hidrelétricas para alimentar suas indústrias (ver o caso do Tijuco Alto, na área cárstica do Alto Ribeira, SP, ainda pendente e situado em área prioritária), mudou-se a legislação, entrando em vigor um novo Decreto, o de n.6.640, que permite destruição de cavernas que não se puder comprovar serem de relevância máxima (voltaremos ao assunto mais adiante).
O instrumento efetivamente utilizado nas decisões relativas a licenciamento de empreendimentos em geral (nas áreas de geração de energia, mineração, agropecuária, turismo, imobiliária etc.) que, na prática, constituem a ameaça central à biodiversidade, são as Listas oficiais de Espécies Ameaçadas de Extinção. Embora útil em alguns casos, trata-se de um instrumento muito fraco e pouco eficaz em termos globais, apresentando graves falhas conceituais e operacionais.
O primeiro e maior problema é a própria definição e delimitação do táxon "espécie", um tema muito complexo e para o qual não existe consenso no âmbito da ciência. Na prática, a definição de espécie fica a critério dos especialistas na taxonomia de cada grupo, que procuram conjuntos de características que possam separar diferentes unidades (caracteres diagnósticos), as quais recebem nomes específicos oficiais, binomiais (dentro da convenção estabelecida há mais de 250 anos por Linneu). Aqui começam as dificuldades: nem sempre são detectadas descontinuidades que possam ser usadas na distinção de espécies, frequentemente existindo certa superposição na variação dos caracteres analisados em diferentes conjuntos de indivíduos. Tendo em vista o caráter gradual da evolução na maioria dos casos conhecidos, é esperado depararmos com populações em processos de diferenciação, mas que ainda não se separaram totalmente (ver exemplo para peixes de cavernas em Reis et al. (2006).
Entra aqui o segundo problema: como atualmente a rígida burocracia ambiental só aceita a inclusão de espécies nominais (formalmente descritas e referidas por um binômio Gênero espécie) nas listas oficiais, ficam desprotegidas as variações geográficas, que também devem ser objeto da conservação ("preservar amostras representativas da biodiversidade, seus processos e padrões"), assim como aquelas ainda não descritas. Ora, um país de reconhecida megadiversidade como o Brasil, é particularmente afetado pelo chamado Impedimento Taxonômico, que é a falta de especialistas com a competência e capacidade (até mesmo de tempo) para descrever toda essa diversidade, nomeando táxons com significado biológico e ao mesmo tempo operacionais. Urge uma mudança conceitual de abordagem na elaboração dessas listas, de modo que possam efetivamente incluir a diversidade de processos e padrões geradores dessa riqueza.

A lógica da relevância versus não relevância: protocolos de estudo
De modo geral, os critérios para estabelecimento da condição da espécie, hábitat ou ecossistema a ser preservado baseiam-se na presença de atributos. A ocorrência de populações pertencentes a espécies nominais incluídas em listas oficiais ameaçadas de extinção é o atributo normalmente - e o único na imensa maioria dos casos - utilizado em uma abordagem extremamente simplista e ineficiente do problema da conservação da biodiversidade brasileira. Um nível um pouco melhor, com maior abrangência de critérios, é representado pela legislação referente a cavernas, conforme o já mencionado Decreto n.6.640, regulamentado pela Instrução Normativa do MMA, IN n.2, de 20 de agosto de 2009. Segundo essas normas legais, seriam de relevância máxima, portanto não passíveis de sofrer qualquer interferência ou perturbação, as cavidades que possuam pelo menos uma das seguintes atributos:
I - gênese única ou rara;
II - morfologia única;
III - dimensões notáveis em extensão, área ou volume;